Tenho pensado muito no
grau de intolerância que estamos vivendo atualmente em nosso país, de modo
particular, e que igualmente podemos observar essa deplorável realidade
intransigente no mundo inteiro, com nichos de maior ou menor tensão, em
diferentes lugares de nosso planeta global. Esse nosso século XXI, ainda tão
jovem, tem registrado tristes fatos e trágicos acontecimentos de pesarosa
significação, com testemunhos de movimentos e de ideias violentas, com
expressões patentes de preconceito e de discriminação de toda sorte, com
episódios que revelam marcas de ódio, de crueldade, de repressão e de morte, em
diferentes sentidos e situações. Não era assim que os filósofos iluministas
imaginavam que seria nosso mundo!
Resta pensar: estamos vivendo um
momento de exceção, há hoje uma cultura da violência e do ódio mais intensa do
que em outras épocas? Ou estaríamos somente tendo condições de maior
visibilidade, pela sociedade de alta tecnologia de informação, de modo que
acabamos sendo bombardeados todos os dias por todos os acontecimentos de
destaque no mundo, prevalecendo sempre aqueles que guardam algum vínculo com a
guerra, com a violência e com a degradação do mundo, das pessoas, da natureza e
da sociedade? Não temos constituído uma cultura do altruísmo, da humanização
das coisas, da exaltação da não-violência e da atitude coletiva da tolerância!
Já vivemos tempo e outras épocas em que estas palavras tinham maior adesão,
ressonâncias e forças persuasivas.
Há diversas possibilidades de responder
a essa pergunta: alguns a responderão buscando as possíveis causas da
agudização da atual cultura da intolerância, facilmente passível de ser
identificada na contraditória divisão de riquezas do nosso mundo. Outros
encontrarão razões na suposta natureza humana, tal como dizia o filósofo Thomas
Hobbes: o homem é o lobo do homem, assumindo a premissa
de que somos naturalmente voltados para a guerra, para o enfrentamento
conflitivo e para a maldade. Nem preciso citar o contraponto de Rousseau que
definia que o homem nasce bom, a sociedade, para ele,
seria o espaço e a instituição que o depravaria e o brutalizaria. Não temos
mais essas pretensões deterministas de achar que o ser humano seja bom ou seja
mau por sua natureza, por uma causalidade ontológica, engendrada no âmago da
condição humana. Nosso pensamento é histórico, ou desenvolvemos as
potencialidades humanas boas ou propositivas, ou desenvolvemos uma cultura de
dominação e de violência de todos contra todos.
Todas essas respostas podem ser
evocadas, mas ainda são parciais e insuficientes. Mas, para além dessas
considerações deterministas e na intenção de justificar ou de compreender as
causas de nossa cultura belicosa e violenta, no mundo de hoje, necessitamos de
pessoas e de ideais que superem esses lugares comuns e que estabeleçam novas
coordenadas éticas e políticas para a condição humana de nosso tempo. Esse
horizonte ético e político principia-se com o reconhecimento da dignidade da
pessoa humana. A dignidade de toda pessoa é o fundamento de toda
sociedade e a base de toda política que se disponha a justificar-se como tal.
Aristóteles definia e Ética e a Política como as denominadas duas ciências
práticas, engendradas pela sociedade e pelos grupos humanos, na direção de
organizar a vida doméstica e particular (Ética) e a vida coletiva e pública
(Política). Não há como constituir valores para referendar a vida moral e
política sem essa dimensão ética. Aqui a palavra Ética assume o sentido de
“valores que sustentam a vida particular”. E a política seria a dimensão de organizar
a felicidade e o bem-estar comum, de todos, o justo equilíbrio da coletividade.
Essa seria a principal prova de nossa humanidade: somos humanos quando nos
reconhecemos como seres humanos que geram valores para as condutas de todos,
quando realizamos a vida prudente e equilibrada, quando praticamos a temperança
e vivenciamos a prática da tolerância recíproca.
Estamos novamente diante da Esfinge:
“decifra-me ou eu te devorarei”! A nossa única possibilidade de decifrar a
vida, coletiva e grupal, pessoal e subjetiva, consiste em superar, ou buscar
superar a cultura da barbárie e da selvageria. Buscar constituir valores que
adensem sentidos para nossa vida e para nossa realidade vivencial, nosso
entorno, nossas vivências e nossos interlocutores. Praticar a solidariedade é
uma decisão de foro ético, respeitar as opiniões dos outros é outra decisão
ética. Reconhecer as diferenças, respeitar as outras formas de ver o mundo e de
viver a vida são decisões políticas de alta sensibilidade. Essa é a tarefa primordial
posta para nossos dias: projetar no mundo características humanas de dignidade,
de respeito à diversidade, de pluralismo, de temperança, de tolerância e de
fraternidade. Para a natureza ter olhos de preservação e de sustentabilidade,
para os animais as práticas de cuidado e de acolhimento, para os demais seres
humanos as premissas da aceitação, do cuidado de si e dos outros, da
diversidade e da liberdade de toda pessoa! Temos que ser no mundo a mudança que
sonhamos para o mesmo mundo – nos ensinava Gandhi! Nesses tempos tão sombrios e
intolerantes pratiquemos a virtude da fraternidade e da dignidade humana! A
cultura do Amor nunca foi tão necessária como hoje!
César Nunes (profcesarnunes@gmail.com)
Fonte: www.tutores.com.br
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