Outono... São as folhas secas... Com elas, o vento brinca... |
Naquele
pedaço de chão, todo o horizonte cortado de aridez, para os fortes que vingam,
as horas passam pouco espaçadas, sem a sutileza da continuidade dos minutos,
segundos que o tempo próprio esconde. Este, sentido, imaginado como grande senhor
que ceifa vidas, amalgamado ao destino e à rudeza dos muitos homens feitos de
sandálias de couro, cacimbas d’água, de suor seco e os olhos lânguidos, de
esperança triste. O sol e a lua eram o dia.
O menino sonhava com chuva, paisagem que se
enche de verde, charcos enormes de piabas prateadas, anzol e linha a fisgar
curimbatá ou o gigante tucunaré, doce de umbu, canto de bem-te-vi... Aprendeu
nos livros velhos, uma nova palavra, incomum para o vocabulário de família.
— Pai, o que é outono? — disse o menino.
O homem olhou para o filho com certa ternura;
curvou-se para que pudesse falar diretamente em seus olhos.
— Outono... São as folhas secas... Com elas, o
vento brinca...
O menino sorriu. Abraçou o pai e saiu a
brincar na terra argilosa, de pó fino, sob sol castigante, a rabiscar os nomes
que aprendera. E era o sol a dourar a pele daquela gente, com foices, enxadas,
lâminas afiadas a sangrar fendas d’água onde havia mais e mais escassez. Era o
tempo estático a desenhar vidas, golpeadas de sofrimento no céu limpo.
O pai comoveu-se daquela inocência, despojou-se da
lida, e saiu também a brincar. Pôs o menino nos ombros. Os dois riam. Era um
instante raro para esquecer a dor e vencer o dia. Para o homem que acalentava a
criança, a primavera era efêmera: flor de cactos mandacaru. O inverno era a
chuva. Ela trazia o frio. Aquele rincão era feito de verão pleno. Estação
única. O outono tinha apenas cheiro de fruta: cupuaçu, sapoti, graviola,
bacuri, violeta juçara, buriti, oiti, ingá, carambola doce em estrela,
manga-rosa, banana-maçã, murici, ciriguela, carne de pitomba, caju... Sabor dos
sertões. O outono era a fartura que trazia a chuva, as águas de março ou
qualquer mês, a invadirem o tempo seco.
O menino
abria os braços abarcando o seu mundo, distante das histórias contadas nos
livros antigos que o pai lhe dava. De olhos fechados, ele imaginava castelos,
aventuras... Ele, pequeno príncipe de um grande deserto, conhecedor de saberes
seus, da sua gente. Na proteção do pai, era feliz. Esse, volta à lida: colher
água do poço, dar comida ao gado magro, lavrar a terra estéril, pingada do sal
das lágrimas... A criança desenha seus sonhos na terra. E um sonho maior ganha
contorno, nos traços infantis do que seria uma figura feminina. Eram apenas os
dois... É o tempo em que no espaço, as nuvens se acinzentam, clarões anunciam
mudança. O vento se encorpa e em rodopio levanta folhas amarelas, roídas pelas
saúvas. O menino se encanta... Enfim, conhecia o outono.
Fonte: www.static.recantodasletras.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário